terça-feira, 20 de abril de 2010

Livro escorrega em tentativa de explicar evolução da religião

19/04/2010 - 06h00 (www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/)

REINALDO JOSÉ LOPES
da Reportagem Local


Estava mais do que na hora de usar a lupa da psicologia evolutiva para elucidar as origens da religião. A fé, afinal, é um prato apropriado para o cardápio dos que tentam explicar a mente com base na teoria evolutiva. Ela parece ser um universal humano, ou seja, aquele tipo de comportamento presente em qualquer sociedade, no tempo e no espaço. E, se é um traço universal, provavelmente foi favorecido e mantido pela seleção natural. O raciocínio funciona. Mas o livro "The Faith Instinct" vai com sede demais a esse pote.

Que o leitor não entenda mal. A obra do britânico Nicholas Wade, jornalista de ciência do "New York Times", consegue alinhavar de forma clara as principais pesquisas sobre a origem do "instinto da fé" do título. O problema é que esse tipo de estudo ainda está engatinhando e, na ânsia de apresentar um cenário evolutivo "vencedor", que deixe claro por que a religião surgiu, Wade passa por cima das explicações alternativas, das nuances e do que não se encaixa em sua visão pré-fabricada do tema. O resultado são generalizações um bocado especulativas, que o autor martela capítulo após capítulo, na esperança de que o leitor acabe por aceitá-las.

Sacolejo

Conforme argumenta Wade, quando o comportamento humano moderno surge (entre 50 mil e 100 mil anos atrás), as manifestações religiosas parecem vir a reboque. As primeiras formas de arte e de ferramentas complexas aparecem lado a lado com coisas como funerais deliberados, incluindo "oferendas" (adornos e ossos de animais), e pinturas que retratam misteriosos seres metade pessoas e metade animais. Seriam indícios de uma crença no pós-vida e na capacidade mística de transitar entre os reinos humano, animal e espiritual, como ainda fazem os xamãs dos povos tradicionais de hoje.

São justamente esses povos, em especial os aborígines australianos e os san (ou bosquímanos) do sul da África, que inspiram o autor a dar seu passo seguinte. Como os rituais das tribos modernas de caçadores-coletores estão fortemente ligados a danças comunais, nas quais todo o grupo participa durante horas a fio, com resultados como transes e visões místicas, Wade propõe que a "religião ancestral" da humanidade era esse tipo de dança.

Aliás, para ele, música, dança, linguagem e religião teriam evoluído juntas, formando um complexo de comportamentos cuja principal função era garantir a coesão social de cada grupo, para que fosse possível superar outras tribos em combate. Os transes gerados pela dança exaustiva levariam à crença nas entidades sobrenaturais "vistas" durante o êxtase e, de quebra, produziriam um forte senso de união entre os participantes do sacolejo. Os grupos mais afinados com essa propensão ao transcendente teriam obtido uma considerável vantagem reprodutiva e de sobrevivência em relação às tribos menos extáticas, até a religião se propagar pela espécie.

A reconstrução da "religião dançarina" original até faz sentido diante dos (poucos) indícios disponíveis, mas Wade entra em terreno dúbio quando aposta, juntamente com uma minoria de biólogos evolutivos, que a seleção natural poderia atuar no nível de grupos, e não no de indivíduos, como diz a maior parte dos cientistas hoje.

O problema aqui é que grupos humanos em especial tribos em guerra, como no cenário traçado pelo livro não se reproduzem em bloco, mas como indivíduos. Supostas tendências genéticas "religiosas", que levariam ao sacrifício em batalha em nome do "bem maior", seriam simplesmente perdidas com a morte de seus possuidores. Desse ponto de vista, a seleção natural seria implacável contra os religiosos, e não a favor deles. De fato, os grupos com maior proporção de religiosos poderiam até obter mais sucesso na competição com outras tribos. Mas, paradoxalmente, as chances de multiplicação do "gene da fé" seriam muito baixas.

A rigor, seria perfeitamente possível traçar uma análise evolutiva com base nesse princípio: a religião, enquanto "unidade" cultural, é que estaria sendo selecionada nos confrontos, e não os corpos e genes de seus fiéis. Contudo, ao adotar um paradigma muito rígido, Wade nem chega a mencionar essa possibilidade.

Ele também quase não toma conhecimento da outra grande vertente das pesquisas sobre a evolução da religiosidade, que encara a crença no sobrenatural como um subproduto de outras capacidades mentais humanas as quais, essas sim, teriam sido moldadas pela seleção natural, tais como a propensão para detectar outras mentes no mundo circundante.

A análise que Wade faz da transformação das religiões no mundo pós-Idade da Pedra também é questionável. Ele associa, por exemplo, o "fim da dança" (ou seja, dos rituais comunais e igualitários dos caçadores-coletores) com o surgimento da agricultura e da desigualdade social. Nesse ponto, a ascensão de castas sacerdotais teria levado à monopolização do sagrado. O autor esquece, porém, que sociedades com considerável grau de hierarquização e complexidade, como a grega antiga, eram um bocado relaxadas quanto ao ofício sacerdotal _sem escrituras sagradas, rituais de ordenação ou mesmo monopólio dos sacrifícios de animais. Apesar de tudo, a conclusão do livro talvez tenha alguma permanência: um apelo para que as religiões saibam incorporar o que a ciência descobriu sobre a natureza e a evolução do homem em suas próprias narrativas do sagrado.


Colisor faz 10 milhões de mini-Big Bangs em 1 semana

08/04/2010 - 10h17 (www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/)

ROBERT EVANS
da Reuters, em Genebra (Suíça)
 
Os físicos do centro de pesquisas europeu Cern disseram nesta quarta-feira (7) que foram produzidos 10 milhões de mini-Big Bangs na primeira semana de operações.  
 
 
 

Suas colisões de partículas ocorrem a uma altíssima potência, em uma maratona investigativa sobre os segredos do cosmos. O porta-voz James Gillies afirmou que o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), no qual minúsculas partículas de matéria são esmagadas em frações de segundo à velocidade da luz, estava funcionando extremamente bem.

"Tudo parece muito bom. Estamos obtendo um grande número de dados para analistas de laboratórios de todo o mundo, mesmo que levem meses ou anos para que surja algo de fato novo", afirmou Gillies.

Autoridades do Cern, o Centro Europeu para Pesquisas Nucleares, estão ávidas para superar as duas primeiras semanas de funcionamento em alta potência.

Em 2008, um lançamento anterior do LHC, a uma potência menor teve de ser paralisado por causa de um grande vazamento de uma solução de resfriamento depois de 10 dias.

O LHC possui um anel de 27 quilômetros, situado sob a fronteira entre Suíça e França, perto de Genebra.

 
Colisões

Os cientistas que o observam disseram que se registram agora cem colisões por segundo, o dobro da quantidade observada no primeiro dia de atividade em alta potência na semana passada.

Os feixes de partículas primeiro foram injetados para dentro do LHC e então colidiram a uma energia inédita de 7 tera -- ou 7 trilhões -- de eletronvolts (TeV) no dia 30 de março, no que os cientistas afirmam ter sido um avanço gigantesco na pesquisa sobre o cosmos.

As colisões criam simulações numa escala minúscula do Big Bang, a explosão primária ocorrida há 13,7 bilhões de anos da qual teria surgido todo o cosmos -- com suas galáxias, estrelas, planetas e enfim a vida, assim como as leis universais da física. 
 
Ao rastrear como as partículas se comportam após colidirem, os pesquisadores do Cern esperam desvendar segredos do cosmos tais como a formação da matéria escura, ou invisível, por que a matéria ganhou massa e se há mais dimensões além das quatro que já conhecemos.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Cientistas identificam possível novo ancestral do homem na África do Sul

08/04/2010 - 15h06
 

Jonathan Amos
da BBC News 
 
 
Um cientista da universidade de Witwatersrand, na África do Sul, anunciou ter descoberto fósseis de duas criaturas hominídeas com mais de dois milhões de anos, que poderiam ser o elo entre espécies mais antigas e as mais modernas, do gênero Homo, entre as quais está a de pessoas atuais.

Lee Berger afirmou à BBC que a descoberta, nas cavernas de Malapa, perto de Joanesburgo, foi feita por acaso em 2008, quando ele e o filho de 9 anos passeavam no local, identificado como um potencial sítio arqueológico graças a uma aplicativo do Patrimônio Histórico Mundial acoplado ao programa Google Earth.

A descoberta do Australopithecus sediba foi publicada na última edição da revista científica "Science", e os cientistas que assinam o artigo dizem que os esqueletos preenchem uma brecha importante no desenvolvimento das espécies hominídeas.

"Eles estão no ponto em que acontece a transição de um primata que anda sobre duas pernas para, efetivamente, nós", disse Berger.

"Acho que provavelmente todos estão conscientes de que este período, entre 1,8 milhão a 2 milhões de anos atrás, é um dos mais mal representados em toda a história fóssil dos hominídeos. Estamos falando de um registro muito pequeno, um fragmento."

Sepultamento rápido

Muitos cientistas veem os australopitecos como ancestrais diretos do Homo, mas a localização exata do A. sediba na árvore genealógica humana vem causando polêmica. Alguns acreditam que os fósseis podem ter sido da espécie Homo.

O que se sabe é que as criaturas de Malapa viveram às vésperas do domínio da espécie Homo. Inclusive, alguns esqueletos encontrados na África Oriental atribuídas a espécies de Homo seriam até um pouco mais antigos que as novas descobertas.

Mas o A. sediba apresenta uma mistura de detalhes e características como dentes pequenos, nariz proeminente, pélvis muito avançada e pernas longas semelhantes às que temos atualmente.

No entanto, a espécie tinha braços muito longos e um crânio pequeno que lembra o das espécies Australopithecus, muito mais antigas, à qual Berger e seus colegas associaram a descoberta.

Os ossos foram encontrados a cerca de um metro uns dos outros, o que indicaria que eles morreram na mesma época ou pouco tempo depois do outro.

Os especialistas dizem que os fósseis podem até ser de mãe e filho e que é razoável presumir que pertenciam ao mesmo bando.

Não se sabe se eles moravam no complexo de cavernas em Malapa ou se acabaram presos por ali, depois que ter sido arrastados para um lago ou piscina subterrâneos, talvez durante uma tempestade.

Os ossos dos dois espécimes foram depositados perto de outros animais mortos, entre eles um tigre dente-de-sabre, um antílope, ratos e coelhos. O fato de nenhum dos corpos ter sinais de ter sido comido por outros animais indica que morreram e foram sepultados repentinamente.

"Achamos que deve ter havido algum tipo de calamidade na época que tenha reunido todos esses fósseis na caverna, onde ficaram presos e, finalmente, sepultados", afirmou o professor Paul Dirks, da universidade James Cook, na Austrália.

Todos os ossos ficaram preservados em sedimentos clásticos calcificados que se formam no fundo de poças d'água.