sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Navalha de Occam



 

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"Pluralitas non est ponenda sine neccesitate" ou "pluralidade não deve ser colocada sem necessidade." As palavras são de um filósofo inglês medieval e monge Franciscano, William of Ockham (ca. 1285-1349). Como muitos Franciscanos, William era um minimalista na sua vida, idealizando uma vida de pobreza, e como S. Francisco, batendo-se com o Papa a esse propósito. William foi excomungado pelo Papa João XXII. Respondeu escrevendo um tratado demonstrando que o Papa era um herético.
O que é conhecido como navalha de Occam era um principio comum na filosofia medieval e não foi originado por William of Ockham mas devido ao seu frequente uso do principio, o seu nome ficou indelevelmente ligado a ele. É pouco provável que William apreciasse o que alguns de nós fizeram com o seu nome. Por exemplo, ateistas muitas vezes aplicam a navalha de Occam argumentando contra a existência de Deus na base de que Deus é uma hipótese desnecessária. Podemos explicar tudo sem assumir o peso metafisico extra de um Ser Divino.
O uso por William do principio da pluralidade desnecessária ocorre em debates sobre o equivalente medieval do psi. Por exemplo, no Livro II dos seus Commentary on the Sentences de Pedro Abelardo, ele debruça-se sobre a questão de saber se "Um Anjo mais Elevado sabe graças a menos espécies que um Inferior." Usando o principio de que a "pluralidade não deve ser colocada sem necessidade" ele argumenta que a resposta é afirmativa. Tambem cita Aristoteles quando afirma que "quanto mais perfeita uma natureza, menos meios necessita para a sua operação." Este principio tem sido usado por ateistas para rejeitar a hipótese de um Deus-Criador a favor da evolução natural: se um Deus Perfeito tivesse criado o Universo, quer o Universo quer as suas partes seriam mais simples. William não teria apreciado. Contudo, argumentou que a teologia natural é impossivel. Teologia natural usa a razão para compreender Deus, em contraste com a teologia revelada que se baseia nas revelações das escrituras. De acordo com William of Ockham, a ideia de Deus não é estabelecida por evidências experimentais ou de raciocínio. Tudo o que sabemos de Deus é-nos dado pela revelação. Os fundamentos de toda a teologia é, portanto a fé. Deve-se notar que enquanto uns usaram a navalha para eliminar todo o mundo espiritual, Ockham não aplicou o principio da parcimónia aos artigos da fé. Tivesse-o feito, poderia tornar-se um Sociniano como John Toland (Christianity not Mysterious, 1696) e reduzido a Trindade a uma Unidade e a natureza dual de Cristo a uma.
William foi uma espécie de minimalista em filosofia, advogando nominalismo contra a visão mais popular do realismo. Ou seja, argumentou que os universais não têm existência foram da mente; universais são apenas nomes que usamos para referir grupos de individuos e as propriedades de individuos. Os realistas afirmam que não só há objectos individuais e os nossos conceitos desses objectos, tambem há universais. Ockham pensava que eram demasiadas pluralidades. Não necessitamos de universais para explicar qualquer coisa. Para nominalistas e realistas existe Sócrates o individuo e o nosso conceito de Sócrates. Para os realistas existem tambem realidades como a humanidade de Sócrates, a animalidade de Sócrates, etc. Ou seja, qualquer qualidade que possamos atribuir a Sócrates tem uma correspondente "realidade", um "universal" ou eidos, como Platão chamou a tais seres. William pode ser considerado céptico em relação a estes universais. Não são necessários para a lógica, a epistemologia ou metafisica, portanto para quê assumir esta pluralidade desnecessária? Platão e os realistas podiam ter razão. Talvez haja um eidos, de realidades universais que sejam eternos, imutáveis modelos para objectos individuais. Mas não necessitamos de postular tal para explicarmos individuos, os nossos conceitos ou o nosso conhecimento. O Eidos de Platão (Formas) são um peso metafisico e epistemológico desnecessário.
Pode ser argumentado que o Bispo George Berkeley aplicou a navalha de Occam para eliminar a substância material como uma pluralidade desnecessária. Apenas precisamos da nossa mente e das nossas ideias para explicar tudo. Contudo, Berkeley era um pouco selectivo no seu uso da navalha. Lembrem-se, ele precisou de postular Deus como a Mente que ouve a árvore cair na floresta quando ninguem está presente. Os Idealistas Subjectivos podem usar a navalha para se livrarem de Deus. Tudo pode ser explicado pelas nossas mentes e ideias. Claro que isto leva ao solipsismo, a ideia que só eu e as minhas ideias existem, ou pelo menos é tudo o que sei que existe. Os Materialistas, por outro lado, usam a navalha para eliminar a mente. Não necessitamos de postular uma pluralidade de mentes E uma pluralidade de cérebros.
A navalha de Occam é tambem chamada o principio da parcimónia. Hoje em dia é interpretada como "a explicação mais simples é a melhor" ou "não multiplique hipóteses desnecessariamente." Em qualquer caso, a navalha de Occam é o principio que é frequentemente usado fora da ontologia, isto é, por filósofos da ciência num esforço de estabelecer critérios para escolher entre várias teorias com igual valor explicatório. Quando dando razões explicativas para algo, não postule mais que o necessário. Von Daniken podia estar certo: talvez extraterrestres tenham ensinado antigos povos na arte e na engenharia, mas não precisamos de postular visitantes extraterrestres para explicar os feitos desses povos. Porquê postular pluralidades desnecessariamente? Ou, como diriamos hoje, não faça mais assunções do que precisa. Podemos postular o éter para explicar acção à distância, mas não precisamos do éter para o explicar, portanto para quê assumir um etéreo éter?
Pode-se dizer que Oliver W. Holmes e Jerome Frank aplicaram a navalha de Occam ao afirmarem que não existe uma coisa chamada "Lei". Há apenas decisões judiciais, julgamentos individuais e a soma deles fazem a lei. Para confundir mais a questão, estes iminentes juristas chamaram ao seu ponto de vista realismo legal, em vez de nominalismo legal. Lá se vai a simplicidade.
Porque a navalha de Occam é algumas vezes chamado o principio da simplicidade algumas mentes criacionistas argumentaram que ela podia ser usada para apoiar o criacionismo sobre a evolução. Ter Deus a criar tudo é muito mais simples que a evolução, que é um mecanismo muito mais complexo. Mas Occam não diz que quanto mais simplória a hipótese, melhor. Alguns até usaram a navalha de Occam para justificar cortes orçamentais, argumentando que "o que pode ser feito com menos é feito em vão com mais." Esta aproximação parece aplicar a navalha de Occam ao próprio principio, eliminando a palavra "hipótese". Occam estava preocupado com menos hipóteses, não com menos dinheiro.
O principio original parece ter sido invocado num contexto de uma crença na noção de que a perfeição é a própria simplicidade. Isto é um principio metafisico que partilhamos com os medievais e os gregos antigos. Pois, como eles, a maior parte das nossas disputas não são acerca do principio mas do que conta como necessário. Para os materialistas, os dualistas multiplicam pluralidades desnecessariamente. Para os dualistas, postular uma mente bem como um corpo, é necessário. Para os ateistas, postular Deus e algo sobrenatural é uma pluralidade desnecessária. Para os teistas, postular Deus é uma necessidade. E por aí fora. Para von Daniken, talvez, os factos tornam necessário postular extraterrestres. Para outros, estes extraterrestres são pluralidades desnecessárias. Em resumo, talvez a navalha de Occam diga pouco mais do que para os ateístas Deus é desnecessário mas para os teistas isso não é verdade. Se é assim, o principio não é muito util. Por outro lado, se a navalha de Occam significa que quando confrontados com duas explicações, uma implausivel e uma provável, uma pessoa racional deve escolher a provável, então o principio parece desnecessário, pois é óbvio. Mas se o principio é verdadeiramente minimalista, então parece implicar que quanto mais reducionismo, melhor. Se sim, então o principio da parcimónia deveria chamar-se a Serra Eléctrica de Occam, pois o seu principal uso parece ser cortar a eito na ontologia.

Links
Hyman, Arthur and James J. Walsh, Philosophy in the Middle Ages 2nd ed. (Indianapolis: Hackett Publishing Co., 1973).
W.M. Thorburn, "The Myth of Occam's Razor," Mind 27:345-353 (1918).

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