quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Richard Dawkins, um devoto do ateísmo

27/6/2009 - oglobo.globo.com (prosa online)

Enviado por Roberta Jansen




Na esteira do recrudescimento do criacionismo e da propagação das ideias do design inteligente nos Estados Unidos e na Europa, um outro movimento cresceu e apareceu em todo o mundo capitaneado pelo biólogo Richard Dawkins, um dos mais proeminentes evolucionistas da atualidade: o novo ateísmo.

Trata-se de uma defesa ferrenha da ciência e da razão em oposição a toda e qualquer religião, a todo e qualquer deus — e Dawkins é debochado o suficiente para falar em Thor e Apolo. O debate chega por aqui com o próprio Dawkins, um dos grandes nomes da 7 Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa na próxima quarta-feira. E, não por acaso, no ano em que se comemoram os 150 anos da publicação de “A origem das espécies”, obra na qual Charles Darwin divulgou para o mundo a Teoria da Evolução — que alteraria para sempre a História ao separar a ciência da religião.

Responsável por campanhas como a que cobriu ônibus em Londres e Nova York de frases como “Deus provavelmente não existe”, Dawkins tem um bate-papo marcado, na próxima quinta-feira, às 19h, com o jornalista Sílio Boccanera sobre o tema “Deus, um delírio” (título de seu livro publicado pela Companhia das Letras em 2007). O debate promete ser polêmico. Ateu praticante e dos mais engajados, o biólogo lança, sem pestanejar, frases como “a Bíblia é um livro horrível”, “acho que muito do mal do mundo tem a ver com a religião” e ainda “acreditar em algo sem evidências é muito pernicioso”.

Nesta entrevista ao GLOBO, concedida de Pirenópolis, em Goiás, onde participa do encontro anual da Sociedade do Comportamento Animal, Dawkins falou sobre seu ateísmo praticante, sobre os últimos acontecimentos no Irã e sobre Darwin e o evolucionismo.

Na Flip, o biólogo lança “A grande história da evolução — Na trilha dos nossos ancestrais” (Companhia das Letras), originalmente lançado em 2004. A obra é uma espécie de enciclopédia da evolução, que parte do homem, passando por todos os seus ancestrais, até chegar à origem da vida. Ao longo da narrativa, Dawkins explica os principais pontos da Teoria da Evolução de Charles Darwin:  


—Tenho me devotado muito ao ateísmo, mas estou de volta à ciência neste livro — conta ele.

Em Paraty, o tema de sua apresentação é “Deus, um delírio”. O que o senhor espera da resposta da audiência no Brasil que, como o senhor sabe, é o maior país católico do mundo e marcado pelo sincretismo com religiões africanas?

RICHARD DAWKINS: Minha experiência nos Estados Unidos é que, embora se trate de um país muito religioso, abriga também muita gente que não tem religião, que é ateia e que vem sendo mal representada, que não tem voz. Um dos efeitos dos meus livros, e de minhas palestras, tem sido dar voz a essas pessoas, fazer com que elas falem. Talvez o mesmo seja verdade para o Brasil, vamos ver.

Desde o lançamento de “Deus, um delírio”, o senhor vem se dedicando à causa do ateísmo. Seu novo livro, a ser lançado mundialmente em setembro, “The greatest show on Earth” (“O maior show da Terra”, em tradução livre), segue a linha de ataque ao criacionismo, ao se dedicar a apresentar provas da Teoria da Evolução. Por que toda essa dedicação?

DAWKINS: “Deus, um delírio” é um ataque às religiões. “The greatest show on Earth” é um ataque ao criacionismo. É verdade que tenho me devotado muito ao ateísmo, mas estou de volta à ciência neste livro. Tanto ele quanto “A grande história da evolução” são livros científicos, sobre evolução, não religião.

Sim, mas o senhor tem se dedicado muito à defesa do ateísmo, com sites e debates. E ao oferecer provas científicas da evolução contribui diretamente para este debate, derrubando argumentos religiosos.

DAWKINS: Sim, tem razão. Isso tem a ver com a busca pela verdade, e sempre me preocupo muito com isso quando posso. Acho que muito do mal do mundo tem a ver com a religião. Acreditar em algo sem evidências é muito pernicioso. 


Alguns de seus críticos dizem que o senhor é tão radical quanto as pessoas que combate. Mesmo alguns evolucionistas dizem que, ao agir desta forma, o senhor estaria dando munição ao inimigo. Como o senhor responde a essas críticas?

DAWKINS: Não acho que haja nada de errado em ser radical em busca da verdade. Eu busco provas científicas. Busco provas para explicar por que o Universo é como é — é isso que me interessa. Algumas dessas acusações podem ser explicadas por questões políticas. Mas não estou interessado em política. Além disso, eu não ofendo pessoas. Quem leu “Deus, um delírio” sabe que é um livro cheio de humor. Bem diferente da Bíblia, que é um livro horrível. Como ateu, gosto de encorajar as pessoas a lerem a Bíblia para verem o quanto é horrível.

Deus nunca teve tanto apelo editorial desde que o senhor, Sam Harris e Christopher Hitchens deram início a sua cruzada pelo ateísmo. O senhor acha isso bom ou ruim?

DAWKINS: É verdade, nossos livros vendem muito bem. Há algo sobre a oposição a Deus que vende muito. E foram publicados pelo menos uns 20 livros que tentam responder ao meu livro. Há uma indústria do lado religioso que foi atiçada pela publicação. Não sei se é bom ou ruim. Acho que todos têm direito de publicar livros, não sei se são bons ou se vendem bem.

Alguns críticos também dizem que o Novo Ateísmo, como é chamado esse movimento, é uma religião. Uma religião sem um Deus formal, mas, ainda assim, uma religião, repleta de ícones.

DAWKINS: Nós não acreditamos em Deus, assim como há gente que não acredita em fadas. Há uma série de coisas em que não acreditamos. Não precisamos criar uma religião para coisas nas quais não acreditamos. Eu também não acredito em Apolo, Thor, ou qualquer outro deus. Acredito na ciência, na racionalidade, numa visão de mundo que manifestamente funcione, que possa ser provada cientificamente. 


“A origem das espécies”, de Charles Darwin, foi lançado em 1859. Desde então, a evolução é aceita como um fato por todos os cientistas. Ainda assim, milhões de pessoas em todo o mundo continuam a questionar sua veracidade. Por quê? O que há de tão poderoso nos argumentos criacionistas e nos partidários do design inteligente?

DAWKINS: A ignorância da população. O que não é um crime. As pessoas, em geral, não sabem nada sobre a evolução. Se olharmos para o sistema educacional na maioria dos países, veremos que é muito ruim. Então as pessoas são contra algo que sequer conhecem.

Por isso o senhor resolveu escrever “The greatest show on Earth”? Para oferecer essas respostas?

DAWKINS: Sim, por isso resolvi escrever sobre as provas da evolução. E o livro é escrito para leigos, de uma forma que me parece bem interessante e divertida.

No livro novo, o senhor explica a importância dos registros fósseis e como a biologia molecular e a genética confirmaram a teoria de Darwin. Mas um dos argumentos preferidos dos fundamentalistas religiosos para atacar a evolução é a origem da vida. Eles argumentam que, até hoje, a ciência não conseguiu reproduzir esse evento. Recentemente, um estudo chegou muito perto disso, ao conseguir criar partes de RNA, mas não ainda à vida propriamente dita. Como o senhor responde a isso em seu novo livro?

DAWKINS: A origem da vida é o ponto de partida, não exatamente a evolução. E não se trata de um fenômeno muito comum. Na verdade, é um fenômeno muito raro, improvável, que aconteceu uma vez em 4 bilhões de anos. Algo que talvez tenha acontecido apenas uma vez em todo o Universo — não sabemos ainda, mas, se o advento da vida fosse tão comum, provavelmente já teríamos descoberto algo ou sido descobertos. É um argumento frequente, mas que eu acho muito bobo. É o Deus das lacunas: quando não conseguem explicar algo, dizem que foi Deus. Ainda assim, continuariam tendo que explicar Deus. 


Grupos humanos em qualquer época ou lugar, em áreas completamente isoladas, sempre apresentam algum tipo de fé no sobrenatural. O senhor acredita que a fé tenha raízes genéticas? Que seja um produto da evolução?

DAWKINS: Sim, acho. Provavelmente não diretamente. Acredito que os seres humanos tenham uma predisposição psicológica para a fé religiosa, e que isso deve ter uma raiz genética. E que as pessoas, sob determinadas condições, desenvolvem as religiões porque, de alguma forma, isso as ajuda a sobreviver.

Nos últimos milhares de anos a religião aparece por trás, direta ou indiretamente, de diversas guerras e atrocidades. Como o senhor situa o que está ocorrendo agora no Irã?

DAWKINS: Meus amigos iranianos acham que o que está ocorrendo agora é sintomático de uma revolta contra o Islã que oprime as mulheres e força as pessoas a viverem numa teocracia. Há inteligência no Irã bem longe de mulás e aiatolás.

Muitos de seus críticos lembram que ateus, em estados seculares, igualmente, já levaram a cabo grandes atrocidades, como alguns regimes comunistas. Será que tais barbaridades seriam ligadas à religião ou apenas à natureza humana?

DAWKINS: Não é apenas a natureza humana. Você provavelmente está pensando em Stalin, que, por sinal, tinha desenvolvido uma espécie de religião ateísta, totalitária, marxista. Mas ele não era motivado pelo ateísmo, o que é bem diferente. As cruzadas foram motivadas pela religião. Os sequestradores do 11 de Setembro foram motivados pela religião. As guerras do Oriente Médio também. Assim como algumas das guerras na Europa, mas não todas, não a Primeira e a Segunda guerras. Há um caminho lógico que leva da fé religiosa a coisas muito ruins, como violência e guerras. E isso é lógico quando aceitamos a premissa de que se está lidando com a vontade de Deus. Para os sequestradores dos aviões do 11 de Setembro isso era bem lógico. Eu não acho que vamos encontrar um caminho lógico do ateísmo para tais atrocidades. 


O que o senhor está fazendo em Pirenópolis?

DAWKINS: Estou participando da conferência anual da Sociedade do Comportamento Animal, que está me homenageando. É o primeiro encontro da sociedade na América Latina. Estou muito honrado com a homenagem e por isso aceitei o convite de vir. E meu editor, gentilmente, me convidou também para Paraty.

  

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